Da Redação
Na publicação, ele cruza aspectos da comunicação nas redes sociais digitais com temas e problemas de interesse político e chama atenção: essas redes são um espaço onde ideias são modificadas nos atritos de pensamento e novas interpretações acabam sendo geradas quando coladas a informações provenientes de outras esferas.
A menos de seis meses das eleições gerais, o peso das redes sociais, dentro, fora e no entorno das campanhas políticas, volta à ganhar atenção. “Campanha on-line não é pegar a sobra da TV e jogar no perfil do Facebook, no Twitter, ou reproduzir ali o que já foi para o ar antes em outro veículo. Campanha on-line carece de uma direção, de uma estratégia e de metas voltadas à campanha on-line. Aí fica a pergunta: qual é o candidato no Brasil que hoje faz isso? Não houve em 2010, nem em 2012 e não tem ainda”, afirma. Confira:
P: Qual o cenário das eleições 2014 em comparação com 2010 e 2012 quando se fala em redes sociais?
R: É uma boa questão. Na verdade as redes sociais estão nesse padrão, que é um padrão ótimo, desde 2008. A campanha que chamou a atenção de todo o mundo foi a do atual presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ainda concorrendo à primeira eleição. Em 2012 ele não repetiu o feito, mas vale lembrar mesmo assim o que tinha de peculiar em 2008: primeiro, o uso de todos os instrumentos e plataformas de comunicação on-line disponíveis à época. Ou seja, tudo o que havia à mão. Os blogs ainda eram muito importantes, mas sobretudo, todos os grandes sites de relacionamento, especialmente os de nicho, algo muito comum nos EUA, voltado aos latinos, negros. Ele ocupou todos os espaços possíveis na hora de fazer sua campanha.
Os smartphones já eram importantes também por lá, tinha aquela história de receber ligação com a voz do Barack Obama, e isso chegou a ter por aqui também... Eles inauguraram isso. Fizeram inserções até em jogos eletrônicos. Usaram todos os espaços digitais possíveis, incluindo a busca orgânica do Google, que deve ter sido a parte mais onerosa dessa campanha on-line. Foi uma campanha diversificada para a época. Além do tradicional, que é TV, rádio, imprensa, a comunicação digital, em todos os seus aspectos, foi bastante explorada, para todos os fins, inclusive arrecadação, coisa que não conseguiu se fazer no Brasil, embora a Marina [Silva, idealizadora da Rede Sustentabilidade] tenha tentado.
No Brasil isso é muito difícil por causa das leis. É difícil justificar doação de pessoa física a uma campanha. Nos EUA basta um cartão de crédito e pronto. Obama usou muito também mobilização e engajamento, porque campanha norte-americana tem isso: primeiro você convence o sujeito a votar, e depois a votar em você. No caso dos democratas [tendência partidária de Obama] isso ainda é mais difícil. É normal alguém ser republicano, mas ninguém é democrata. As pessoas que votam em um democrata, são convencidos a votar! Não era ele que ia ganhar, era a Hillary Clinton! Então ele usou muito bem o meio digital para encontrar quem estivesse pouco disponível às campanhas tradicionais. Foi a forma dele de achar o seu público. E pegou. As pessoas postavam, voluntariamente, vídeos de Obama, se diziam “Obama’s girls” e coisas do tipo. Aquilo se viralizava. Era uma forma de falar horizontalmente aos eleitores. As redes sociais deram isso aos candidatos. O tempo de rádio e de TV é contado, é muito menor. Como ele estava em todo o lugar, inclusive nas redes mais de nicho, podia ter vários discursos para vários públicos.
P: Por que deu tão certo? Por que a internet ajudou Obama a virar o jogo?
R: Exatamente isso: a possibilidade de falar para muitos públicos, de criar abordagens variadas para diferentes públicos. Além disso, nas redes sociais é possível, para o eleitor, ir até o ponto daquela campanha que o agrada ou o incomoda, até que ponto ele quer se envolver ou não dela. Eu podia ir lá no Facebook ou outra rede e dizer que quero receber a agenda do candidato tal. E também posso ir lá e dizer que não quero receber nada. Ou quero só em determinado dia. É possível fazer campanha sem tirar o cidadão da sua zona de conforto, e ao mesmo tempo permitir algum tipo de engajamento. Existe ainda um terceiro ponto, que é a possibilidade de monitorar o que estão falando sobre o candidato, e a partir daí construir padrões, métricas. Porque tudo o que é dito em redes sociais deixa rastros.
Então se pode, em um mesmo ambiente, fazer campanha e recolher todas as impressões que a campanha deixa nos eleitores. É diferente da televisão, onde primeiro o vídeo vai ao ar e depois você põe as pessoas nas ruas para colher as impressões sobre o que foi exibido. Na internet as respostas são mais rápidas. E isso tudo foi em 2008 e a expectativa era que isso se refletisse nas campanhas brasileiras em 2010. No resto do mundo havia a esperança de que o fenômeno Barack Obama fosse replicado. E não aconteceu. Nem ele próprio conseguiu.
P: Mas o uso das redes sociais nas campanhas foi liberado em 2010 no Brasil.Foi tão aquém do esperado?
R: Tenho a impressão de que não houve uma campanha, tecnicamente falando, aos padrões do que foi feito em 2008. Essa é a questão. Você tem três modos de colocar o on-line na campanha: uma é aquela espécie de ‘espuminha’ básica: eu tenho recursos e tal, então vou fazer o ‘combo’ perfil no Twitter, perfil no Facebook. Se a campanha for mais avançada, um canal no YouTube, uma conta no Instagram. E põe umas pessoas para trabalhar ali, preencher, cria uns ‘fakes’ [perfis falsos ou forjados] para falar mal do seu opositor e bem de você. Aí o candidato fica com aquela imagem de antenado, descolado, e 90% da campanha brasileira não passa disso. Até 2012 foi assim, e diria que foi até pior do que em 2010. Parece que regrediu. Não sei se foi por falta de dinheiro, já que eleições gerais sempre movimentam mais dinheiro do que eleições municipais. Foi uma campanha básica: “vamos fazer um interface digital do candidato para não dizer que não estamos na internet”. Outro modo é contratar serviços digitais para a campanha. Para monitoramento, para aumentar o tráfego no site, para fazer vídeos e disponibilizar on-line. Isso não é campanha digital! É campanha normal com aparato de serviços digitais! Campanha digital é com direção, estratégias e metas voltadas todas ao digital! É possível fazer uma campanha dentro da campanha. Não é que não tenha limite. Tem que manter o foco, criar uma identidade. A diferença é lá para o candidato que na TV falou de saúde, escolas e segurança mas não conseguiu falar sobre o meio ambiente, porque o tempo de TV é pequeno. Ele pode ir para a internet e continuar o discurso. Na televisão, se você colocar 20 temas, ninguém presta atenção em nada.
São três, no máximo. Mas na internet você pode. O digital dá uma extensão enorme à campanha. E no on-line você pode identificar os temas sobre os quais os eleitores querem ouvir e explorar isso, falar para essas pessoas. Em 2010, no meu entendimento, faltou a compreensão do maior interessado na campanha: o político. Eles não contratam campanha digital. A maioria não tem a menor ideia do volume de informações...
P: Acham supérfluo?
R: Exatamente. Acham que Facebook é rede de futilidades, onde as pessoas postam pratos de comida, que o Twitter é só para brigar. Enfim, têm uma noção rasa do que é rede social. Acham que é coisa de burguês. Esse entendimento é errado. Exclusão social não tem nada a ver com exclusão digital. Há mais excluídos sociais do que digitais! O candidato só esquece que 30% das pessoas que frequentam esses ambientes, e em intensidade relativamente alta, são de classe mais pobre. O que foram as manifestações de junho de 2013? Por que se proliferou tão rápido? Pelos eventos criados no Facebook? Por que as pessoas acompanhavam? Por que a transmissão era on-line, ao vivo! As pessoas não saíam das redes para ir à manifestação. Ainda subestimam muito o que a rede social pode fazer por uma campanha. Estamos na era do smartphone. As pessoas estão hiperconectadas. O tempo todo.
P: Falta o candidato entender que a campanha on-line então pode ser extensão ou continuação da sua campanha?
R: Falta compreensão da realidade. As pessoas não estão grudadas na frente da TV. Estão grudadas no smartphone! A campanha da TV chega a ela pelo celular! No Whatsapp, a campanha já começou faz tempo! E é rede de amigos, diferente do Facebook, que é pública. A pergunta é: as coordenações de campanha não vão participar disso? Vão querer coordenar sua própria campanha ou vão deixar que a campanha seja conduzida por quem gosta e por quem desgosta de você? A campanha vai acontecer e já está acontecendo lá. Tudo bem, não faça. Mas alguém vai fazer por você! E pode ser bom ou ruim! Essa percepção é a que falta. Veja Marina [Silva]. O coordenador da campanha dela em 2010 foi o Caio Túlio Costa, que é jornalista. Veio lá, ciscou daqui, dali, tentou algumas inovações, já que Marina estava programada para ser o novo Obama: criou uma rede, uma rede social, tentou fazer alguma coisa, mas a campanha acabou sendo banal. Foi interessante, mas foi banal. Marina Silva interage muito pouco com as pessoas em rede social. Não sei qual o problema, se é medo, ou qualquer coisa. Se expõe pouco, escuta pouco as pessoas, não se espalhou pelas várias redes, não tinha estratégia própria. Era o tradicional de televisão, onde ela tinha muito pouco tempo! Podia ter aproveitado para fazer filmetes para as redes sociais e não fez! O coordenador de Dilma era Marcelo Branco, e como o negócio dele é blog, ele se fortaleceu com uma frente de blogueiros em 2010. Fez uma rede de amigos. E ainda estão aí e são importantes, claro. Mas são pessoas que, antes de terem blogs, já eram lulistas ou dilmistas. Aí você não expande o público, porque eles não vão se engajar em trazer mais público. O perfil de Dilma nas redes era fraco, de interação ruim. Em outubro de 2010, no último tweet daquele ano, ela disse que pretendia ficar mais conectada. E sumiu por três anos e meio. Surgiu agora de volta, oportunísticamente.
P: Você disse quem em 2012 parece ter havido uma piora da utilização das redes...
R: Parecia assessoria de imprensa nas redes sociais! Candidato agora chegou à comunidade tal. Candidato agora descascou uma banana. Sabe? Nas páginas de campanha, a mesma coisa, parecia que tinha uma sobra do material de impresso e de TV que foi colocada ali. O que tinha ali para quem frequenta o Facebook? Pra quem não tem o menor interesse de estar em Facebook por causa de política? Não teve isso em 2012 e não tem ainda. Quantas pessoas de 16 a 18 anos que podem votar estão no Facebook? Você vai dispensar esse público? Existe uma enorme ausência de percepção da potencialidade das redes sociais para a campanha política.
Fonte: Diário do Pará