O que mais pesa no mundo? Somem-se as rochas, as águas dos oceanos e todos os grandes mamíferos e a lágrima de uma mãe pesa mais. Quando choram parecem derramar mercúrio líquido. A lágrima da mãe é ácido que corrói, cavando rugas; quando pingam, ferem a terra. Lágrimas maternais têm força de furar qualquer blindagem. A mãe que pranteia põe em xeque até a onipotência dos deuses.
Por *Ricardo Gondim
Eu, porém, já testemunhei lágrimas mais pesadas: as de uma avó. Em uma manhã sombria, que nem o sol com seu brilho altaneiro conseguiu dissipar o horror da madrugada, minha mãe pranteou a morte do seu neto adolescente – meu sobrinho.
Angel, filho de minha irmã Ana, foi brutalmente assassinado. Depois de liberado pelo legista, levaram o corpo do Angel para ser velado pela família. Depois que afastaram os móveis da sala, deitaram o caixão com o corpo do menino começou o desespero. A cena era devastadora. O cheiro amargo de cera queimada das velas tornou o ambiente ainda mais insuportável. Glícia Maria Gondim Rodrigues, mamãe, mal conseguiu andar. Arrastei-a, fadigada de lamentos, para um canto. Ela me obedeceu, grávida de ais e derrotada pela fútil tentativa de querer entender se estava em um pesadelo ou em uma realidade perversa.
De repente, mamãe se voltou para mim e suplicou: – Vamos para casa? Preciso tomar banho.
Respondi com doçura: – Segure o meu braço. Eu ajudo a senhora.
Enquanto caminhávamos, ela voltou a falar: – Quando a gente acorda dos pesadelos eles somem, desse eu sei que nunca vou conseguir acordar. – única sentença que murmurou.
Como dois mancos, tateamos em busca de achar caminho. Vivi ao lado da mulher que me pariu uma cumplicidade dolorida. Sem arrazoamento algum, éramos amigos. Eu e ela nos igualamos na dor como duas almas feridas. Chegamos em casa e eu arriei sobre um divã laranja, de braços puídos. Mamãe correu até o banheiro. Não custou, escutei o chuveiro. O jato d’água pareceu tímido. Ouvi um uivo sinistro. O lamento trágico da mamãe ressoou pela casa inteira. Sozinha, debaixo d’água, ela se desfazia em dores. Sua voz aguda me feriu os ouvidos. Não existe meios de explicar como dói ouvir o choro de uma avó a poucos minutos de enterrar o neto.
Naquele sofá, passei minutos infindáveis de solidão e vazio. Estive perto de suar sangue. Lacerei a minha alma e flagelei o meu espírito. Eu era platéia solitária do pranto de uma avó, cujas lágrimas pesavam mais do que uma estrela.
Mamãe gotejou sua dor em meu coração. Daquele dia em diante me tornei um homem alquebrado. Vez por outra, lembro que uma avó pode estar chorando um pranto igual ao da mamãe.
*Ricardo Gondim é escritor e teólogo, presidente da Convenção Betesda Brasil