A traição fere os ideais românticos de amor, comprometimento e exclusividade que caracterizam os relacionamentos amorosos contemporâneos. E boa parte das crenças que a cercam estão envoltas em equívocos e idéias que não correspondem à realidade
Por Thiago de Almeida e Kátia Regina Beal Rodrigues
Ciúme e infidelidade são questões que sempre estiveram presentes nos consultórios de Psicologia, por constituírem fenômenos intrinsecamente ligados aos relacionamentos, bem como ao desejo de exclusividade. Se por um lado somos, muitas vezes, praticantes da infidelidade amorosa, por outro somos consumidores quase compulsivos de produtos que nos ajudem a ter um(a) parceiro(a) fiel. Essencialmente queremos delimitar a infidelidade para fora da nossa zona de conforto psicológica diádica, visando à nossa própria segurança, embora muitas vezes não mudemos o próprio comportamento. Mesmo que falhemos em exercitar a fidelidade, somos intransigentes e punimos hipocritamente a infidelidade de nossos(as) parceiros(as).
Atualmente as relações se tornam cada vez mais descartáveis, e a fidelidade é vista como algo ultrapassado. Aparentemente, o amor se desvaloriza e, em seu lugar, são estabelecidas relações fugazes e cultivados prazeres efêmeros, desprovidos de laços afetivos. No entanto, a contemporaneidade não abala os valores básicos e a dor provocada pela infidelidade se mantém viva perante avanços tecnológicos e socioculturais. A representação do amor como a melhor possibilidade de realização pessoal parece ter sido mantida. A questão é que a maioria das pessoas entra nos relacionamentos com falsas expectativas, sobretudo a respeito do que querem que a outra pessoa lhes faça (Rodrigues, 2005). Ao mesmo tempo, a infidelidade se banalizou. Daí a suspeita de infidelidade estar presente na vida de quase todos os casais, independentemente da natureza da relação e do grau de intimidade (Almeida, 2007).
Para alguns, o simples estabelecimento de conversas íntimas ou flerte constitui traição, enquanto para outros precisaria haver o sexo
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A VIDA COMO ELA
É No início de uma relação amorosa, os indivíduos depositam nela um conjunto de desejos e expectativas que quase sempre os cegam para a realidade. Porém a paixão é transitória e a relação amorosa começa quando se consegue sair de um aparente estado de transe para encarar a realidade tal como ela é (Almeida, Rodrigues & Silva, 2008).
Todo casal, ao se formar, carrega para o relacionamento uma espécie de acordo inconsciente que servirá de fundamento para delinear a vida a dois. O "contrato" tende a se formar a partir de uma negociação bastante extensa, construída pelo casal desde os primeiros encontros.
Somos gregários por natureza e, ao que tudo indica, freqüentemente caminhamos ao encontro do outro aspirando pela completude. Para os apaixonados há um grande desejo de fusão. No entanto, o fato de eleger alguém para dedicar parte do seu tempo e dos seus recursos não implica que não se possa mudar de idéia posteriormente, rompendo o acordo. O problema, então, é que nem sempre o contrato é compreendido por ambas as partes da mesma maneira. Embora isso seja óbvio, continuamos a realizar rituais e a fazer promessas de amor eterno (Lemos, 1994). E quando um parceiro diz ao outro: "Você sempre soube o que eu queria", cobra o cumprimento desse acordo.
Ao término da paixão, quando esta se transforma em amor e o olhar e o investimento potencialmente se deslocam, é preciso reprimir os impulsos para tentar garantir o que chamamos de fidelidade. Mas o que se concebe, afinal, como infidelidade?
Para Drigotas & Barta (2001), a infidelidade pode ser definida como uma "violação das normas dos parceiros que regulam o nível emocional ou da intimidade física com pessoas fora do relacionamento" (Drigotas & Barta, 2001, p. 177). Para Pittman (1994), infidelidade é uma quebra de confiança, ou ainda, o rompimento de um acordo. A infidelidade poderia ser sexual, emocional ou ambas. Infidelidade sexual envolve contato sexual, tal como beijar, ter contato íntimo, praticar sexo oral ou intercurso sexual. Infidelidade emocional envolve a formação de um apego ou uma afeição por outra pessoa e pode abranger comportamentos como flerte, encontro, conversas íntimas ou apaixonamento. Abaixo listamos e comentamos sete mitos que prejudicam a compreensão desta temática:
Relacionamentos amorosos, estáveis ou não, podem se recuperar da infidelidade, mas não sem um sofrimento significativo
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"O fato é que todos podemos ser uma coisa ou outra, dependendo das circunstâncias sociais que nos cercam"
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TODOS SÃO INFIÉIS
Todas as pessoas são infiéis e, portanto, este comportamento poderia ser considerado normal e esperado.
Segundo algumas estimativas, cerca de metade das pessoas tem casos. Antigamente, os homens lideravam este ranking. Atualmente, as mulheres estão se equiparando nas estatísticas. Maior acesso ao trabalho, autonomia financeira, independência da opinião familiar e até a disseminação de comportamentos pela internet contribuem para isso. Ainda assim, a fidelidade conjugal continua sendo norma. A infidelidade seria, então, algo desarranjado e sintomático, que interferiria profundamente na confiança e intimidade do casal.
Mas há os que advogam a idéia de que a fidelidade, para a espécie humana, não é uma lei natural, isto é, os seres humanos não seriam monogâmicos por natureza, e sim devido a condicionantes culturais, tais como religião, moral etc. O fato é que todos podemos ser uma coisa ou outra, dependendo das circunstâncias sociais que nos cercam.
CHEGA DE MONOTONIA
Os casos extraconjugais teriam valor positivo, como reavivar um casamento monótono.
Muitas vezes, a mídia nos impõe esta idéia e nós a compramos sem ao menos questionar. Com efeito, a infidelidade pode ser, para muitos, uma válvula de escape, por meio da qual se expressariam frustrações acumuladas, quando o cônjuge percebe que já não é feliz (Menezes, 2005). Esses casos podem causar grandes danos. Relacionamentos amorosos, estáveis ou não, podem se recuperar da infidelidade, mas em geral não sem um laborioso sofrimento.
A idéia de que casos extraconjugais reavivam os relacionamentos de longo prazo pode ser baseada na crença disfuncional de que o casamento é monótono. Mas, então, por que se estima (Amélio, 2001) que pelo menos 92% das pessoas, em algum momento da vida, se casem? A principal razão para o desejo de enlace matrimonial nos dias atuais ainda é o sentimento de amor. Em outras épocas, motivações diversas levavam as pessoas ao casamento, como fatores econômicos e alianças familiares. O amor como agente motivacional para adesão ao matrimônio é bem mais recente. Em pesquisas com jovens solteiros, Jablonski (1999) observou que estes destacam o amor como fator principal para as pessoas se casarem e para manter o casamento. Priore (2006), em seu livro História do amor no Brasil, confirma a tendência. Contudo, o conjunto de mudanças no cenário social fez com que os problemas que incidiam sobre o casamento resultassem em uma transformação simultânea nas expectativas sociais quanto ao projeto de relação afetivo-sexual. Segundo Garcia & Tassara (2003), as novas formas conjugais (como morar juntos, namorar por muitos anos sem contrair oficialmente o casamento etc.) evidenciam o caráter anômalo das relações na qual a premissa de sua durabilidade é contestada antes mesmo do início do relacionamento. Assim, a utopia do amor romântico anuncia-se tão desejável quanto impossível. E se a infidelidade é perigosa, o ciúme instala-se ora como mecanismo preventivo, na tentativa de evitála, ora como um mecanismo retaliador, na tentativa de puni-la. E quando os cônjuges não se dispõem a abordar os problemas que se arrastam há anos, tendem a buscar experiências extraconjugais, ainda que passageiras, como forma de aliviar tensões e angústias ou mesmo de solucionar problemas da intimidade (Menezes, 2005).